sábado, 23 de fevereiro de 2008

Eutanásia política

A renúncia de Fidel Castro, 81 anos, à Presidência de Cuba, anunciada na última terça-feira, 19, ratificou a eutanásia política do líder comunista que há quase meio século estava no comando da ilha. "Trairia minha consciência ocupar uma responsabilidade que requer mobilidade e entrega total que não estou em condições físicas de oferecer. Digo-o sem dramatismo", escreveu o ditador que, com a exceção de monarcas, era o mais longevo chefe de Estado, em mensagem publicada pelo jornal oficial do Partido Comunista Cubano, o Granma.

A saída de cena do líder da
Revolução Cubana, na prática, não refletirá na inércia de Fidel frente ao futuro do país. O seu fragilizado estado de saúde, provocado por uma doença não revelada, o obrigou a transferir o poder, há um ano e meio, ao irmão Raúl, de 76 anos, que segue na Presidência interina e pode ser escolhido o novo líder do país pelo Parlamento. A renúncia abre caminho para Raúl sucedê-lo no governo com uma pseudo-autonomia.

Fidel, que se manterá no cargo de primeiro-secretário do Partido Comunista de Cuba, estabeleceu-se como membro do parlamento e, provavelmente, será eleito como um dos 31 membros do Conselho de Estado. A renúncia, daquele que liderou a Revolução Cubana, nada mais é do que uma tentativa intencional e estratégica de encerramento gradativo da vida política de alguém que, presumivelmente, não externa qualquer esperança de recuperação, ou seja, um presságio da sua morte.

A odisséia revolucionária de Fidel Castro teve início com a mobilização do Exército Rebelde que, liderado por ele, foi uma força armada constituída, desde de 1952, para depor o governo ditatorial de Fulgêncio Batista. Após uma tentativa fracassada, em 1956, o exército voltou a reunir-se com apoio popular e, em apenas dois anos, venceu as forças militares do regime. Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos também estiveram à frente da Guerra de Libertação Nacional (1956-1958) que culminou na vitória da Revolução Cubana em 1º de Janeiro de 1959. Com a derrubada do regime ditatorial, consolidada com a fuga de Batista, Fidel Castro foi conduzido ao Governo cubano.

O ousado líder guerrilheiro, que se encontra num estado precário de saúde, sobreviveu a dezenas de tentativas de homicídio, uma invasão apoiada pela CIA e uma crise de mísseis que quase culminou numa guerra nuclear. A empreitada mais famosa, entre os dez governos norte-americanos que tentaram derrubá-lo, foi a desastrada invasão da Baía dos Porcos em 1961.

A invasão mal-sucedida foi uma espécie de insurgência cometida por mais de mil e duzentos exilados cubanos oriundos de Miami, que pertenceram ao regime de Fulgêncio Batista, apoiados pelos Estados Unidos. Os rebeldes acreditavam que o assassinato de Fidel era o único meio de se pôr fim ao incômodo governo socialista recém-formado. Em apenas três dias de combates, Fidel declarou vitória sobre a revolta orquestrada pelo país do Tio Sam.

O governo norte-americano rompeu relações com Cuba em 1961. A medida contribuiu para a aproximação de Fidel com a União Soviética, após a declaração da revolução socialista por Havana. Em 1962, os EUA impuseram uma série de sanções à ilha, dando origem a um embargo econômico, comercial e financeiro ainda vigente.

A economia cubana agonizou durante muito tempo, prova disso é que, só agora, o padrão de vida da população está retornando aos níveis do final dos anos 80. Mas a miséria na ilha ainda não salta aos olhos. Uma pesquisa da ONU, realizada em 2004, revelou que o índice de pobreza de Cuba era o sexto menor dentre 102 países em desenvolvimento.

O sentimento de insatisfação dos cubanos já não pode ser contido pelo governo ditatorial. Os baixos salários, em torno de US$ 15 por mês, são questões pontuais dentre as queixas dos cubanos. Até o sistema de saúde, que antes era um dos cartões de visitas da revolução, está cada vez mais sucateado.

Para os que defendem Fidel Castro, a justificativa é unânime, ele teria sido uma espécie de herói de uma revolução social e ícone de uma política socialista. Aos que são contrários a Castro, resta o argumento de que ele foi um líder de regime ditatorial baseado numa política unipartidária.

A eutanásia política de Fidel poderia desestabilizar o país, tendo em vista que o governo está diretamente ligado à figura do líder da revolução. No curto prazo, não deve haver profundas transformações em Cuba.

O irmão de Fidel tem estimulado a população a participar de um debate em torno de uma abertura controlada da economia cubana. Raúl Castro é um franco admirador do estilo de capitalismo adotado pela China. Utilizar a população como massa de manobra é apenas uma estratégia para atenuar possíveis conflitos populares, uma vez que a última palavra seria a dos líderes comunistas da ilha. A vitória, quase anunciada, do Partido Democrata nos Estados Unidos tende a extinguir o bloqueio econômico, isso daria uma espécie fôlego neoliberal a Cuba.